Não é fácil definir o situacionismo – uma pós-vanguarda paródica e performativa que se afirmava e negava simultaneamente, oscilando entre a auto-promoção e afimações como a de que “o conceito do situacionismo é obviamente uma invenção do antisituacionaismo”. A idéia fundamental, entretanto, era promover a “construção de situações” – eventos políticos e estéticos capazes de revelar, no ambiente urbano, a presença das relações de dominação e assim levar à queda do sistema capitalista. (Ecos de conversão aqui.)
De certa forma, a idéia era brechtiana: recorrer a uma teatralidade exacerbada que, de tão artificial, seria capaz de revelar a artificialidade das próprias relações sociais – que, para Debord, estavam contaminadas pelo fetichismo da mercadoria e pelas relações de dominação capitalistas. Não por acidente, o movimento teve uma influência decisiva nas mobilizações que culminaram com as revoltas estudantis de maio de 1968. (Indagado sobre sua posição quanto aos protestos, o psicanalista Jacques Lacan respondeu: “Enquanto revolucionários, vocês são histéricos que exigem um novo mestre. Receberão um”.)
(Vale lembrar que a estética situacionista foi usada quase uma década depois pelo empresário Malcolm McLaren para promover a banda punk Sex Pistols. Tal vínculo não deixa de ser interessante na medida em que permite traçar uma história intelectual que leva de Picasso às “tribos” urbanas modernas. Picasso gera Dali que gera Debord que gera McLaren que gera the Sex Pistols que gera o punk que gera vômito na calçada… As “tribos” acabam assim tornando-se uma espécie de versão tardia e crepuscular das vanguardas do início do século.)
Mas retornemos a Debord. Ele publicou a Sociedade do Espetáculo ainda 1967. Com 221 aforismos divididos em nove capítulos, o livro defende uma tese que já encontramos em Baudrillard: de que as próprias relações sociais estão comprometidas pelo fetichismo – no sentido marxiano, de falsa ausência, de perda. Sarcástico, o livro recorre repetidamente ao chamado détournement (literalmente, “descarrilhamento”), uma técnica paródica pela qual Debord escreve frases semelhantes às de autores como Hegel, mas com sentido inverso.
Qual o problema da vida social moderna para Debord? É os meios de massa? Sim e não. Sim, o espetáculo é uma imagem e portanto os meios de massa participam do problema. Mas o problema não é a imagem em si, mas a sua capacidade de determinar as formas pelas quais a experiência é recebida. Tese quatro: “O espectáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens.”
Ou seja, o fetiche tornou-se tão hegemônico que as relações sociais já não são relações entre pessoas, mas relações entre imagens de coisas exercidas por pessoas. Ou, como Debord diz na sua tese 17: “a fase presente da ocupação total da vida social pelos resultados acumulados da economia conduz a um deslizar generalizado do ter em parecer”.
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