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13/11/2008

ELE NÃO É TUDO ISSO





Obama não é tudo isso


Joelton Nascimento


A despeito de algumas questões étnicas e culturais, cuja efetividade fora do nível meramente simbólico (no sentido amplo do termo) é discutível, a "festa global" pela vitória de Barack Obama pode tranquilamente ser colocada no terreno dos afetos. São afetos aquilo que assistimos após a divulgação dos resultados da eleição presidencial nos EUA.

O próprio sucesso e a comemoração da eleição de Obama depôs contra as efetivas transformações futuras que esperamos do governo estadunidense. Inúmeros entusiastas de todo arco político, da direita, centro e esquerda, de fundamentalistas muçulmanos ao governo de Israel, de ativistas negros a economistas cuja atenção está voltada a Wall Street, comemoraram a vitória da Obama. Foi um Oba-obama. Se uma eleição agrada a todo este espectro de atores, é porque se trata de algo meramente afetivo e não de fato político, social, econômico, etc.

O momento não poderia ser mais oportuno para uma explosão de afetos. Uma ocupação que dura mais de cinco anos e custou trilhões de dólares (que se lembre das contas de Stiglitz), uma crise econômica cuja profundidade e repercussões ainda sequer foram sentidas em toda sua força (a despeito daqueles que dizem que o pior já passou, mas não apresentam uma prova sequer disso), oito anos de erros crassos por um mimado homem branco-cristão-(neo)liberal. Obama (aparentemente) explode com tudo isso. É verdade. Mas apenas em uma plano simbólico, o quanto basta para se gerar profundos afetos e carnavais mundo afora.

...somos tomados pelo imediatismo dos afetos quando se trata de cultura, ou melhor, quando tratamos de questões contemporâneas como questões "meramente culturais" (aliás, como já mostrou Judith Butler, não existem questões "meramente culturais"). De sorte que não é um ato de caráter simbólico que fará, mesmo que "de leve", virar o jogo para outro lado. Obama não é tudo isso. Seu plano de governo não representa nenhuma ruptura significativa e efetiva. Ele não vai conter a crise mais do que Bush já o fez. Não vai tirar as tropas do Iraque tão cedo. Não vai abrir a porta dos EUA para imigrantes, não vai relutar para invadir outros inimigos potenciais aos interesses dos EUA (como o Irã e a Síria).

Em termos de rupturas afetivas, aliás, nós brasileiros estamos na vanguarda. Temos aqui Lula. O governo deste simpático imigrante pobre, nordestino e corinthiano (muitos pontos "identitários" para ele!) foi em muitos sentidos mais conservador que o governo anterior. Mas todos se lembram de sua "carnavalesca" transição. Os americanos não se importam nem um pouco com outros países. Se se importassem, teriam tomado nota da transição ao governo Lula no Brasil. Poderíamos aqui nos referir ao conceito bastante pisado nos estudos culturais de "espetáculo" de Debord, devemos, contudo ser muito cuidadosos pois ninguém foi tão maltratado quanto esse conceito. Espetáculo é uma relação social mediada por imagens, dizia Debord, parafraseando claramente ninguém menos que Marx. Estamos nos relacionando, ao festejarmos carnavalescamente Obama, não com as relações sociais concretas, mas apenas as pálidas imagens delas. Festejamos o "espetáculo" Obama. Mas o real sempre volta, mesmo como o reprimido, e os americanos, mesmo os pós-raciais, os pós-identitários, pós-humanos, pós-cristãos, pós-tudo, enfim, vão, como dizia Fernando Pessoa, se encontrar consigo mesmos.

Se o americanos tivessem mirado em nós teriam sido mais cautelosos ao depositar todas as "energias utópicas" (como dizia Bloch) em apenas um homem. E não é de suas limitações "biológicas" que estamos falando. Se trata de um jovem de um fôlego privilegiado para aguentar o tranco de eleições, etc. É claro que não é o homem Obama, mas é a plataforma de governo democrata o que aqui se pensa. Mais um exemplo: como ficou claro para pesquisadores recentes foi a incompetência e as relações promíscuas de Bill Clinton com os sauditas que fizeram crescer o braço terrorista do Al-Qaeda. Foi no governo Bill Clinton que começou a bolha do imobiliário. Os principais problemas americanos passaram pelas mãos dos democratas. Todos eles.

Mas não se trata da política "séria", dirão alguns, mas das potências do afetos que foram disparados com a eleição. Ok, há afetos e afetos, e ninguém vai negar que a base de toda e qualquer transformação é o fato de que as pessoas se encontram "afetivamente" (também) em oposição ao estabelecido (Marcuse e outros falaram e falam muito sobre isso). Mas dificilmente alguém poderia negar que é perfeitamente possível uma celebração na qual se dissolva o potencial afetivo sem se tocar na base sócio-histórica. Quando, por exemplo, Deleuze destaca em sua leitura de Espinosa, que há um vínculo importante entre o político e o ético-afetivo, ele também lembrava do lado obscuro deste vínculo: por exemplo, os afetos de medo da massa são apropriados pelos tiranos para que este seja a personalização de uma resposta a este medo e por aí vai. Ou seja, o tirano precisa das massas, como as massas do tirano pelo afetos que os impulsionam. Talvez isso nos ajude a ver o medo escondido na festa aparentemente positiva dos "Oba-obamistas".

O importante agora é evitar esse Oba-obamismo e pensar sim em para onde caminham nossos afetos. Trata-se de um fetichismo tratar-se os afetos como se esses caminhassem sozinhos, como se tivessem tendências inerentemente intrínsecas e fossem guias da política. Como Deleuze, devemos pensar como a ética (dos afetos) se unem à política (no interior dos conflitos sociais) e não em divorciar radicalmente uma coisa da outra. Os afetos a Obama têm ou não têm vetores políticos? Para onde vão esses vetores? São questões que, terminada a festa (melhor seria durante estas) devemos nos fazer.

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